A questão relativa à alteração de fachada em prédios, seja fruto da mudança de esquadrias, da inclusão de cortinas de vidro para fechamento de varanda, da abertura de janelas adicionais, de fechamentos de vãos em área comum, entre outros, é tema tormentoso em reuniões condominiais e de crescente presença junto às administradoras condominiais e síndicos.
É sempre recomendável que, o morador que objetive realizar qualquer alteração que influencie na harmonia estética da fachada, consulte o síndico de forma prévia e documentada, bem como solicite a convocação de assembleia geral extraordinária com tal finalidade. Verificar a ocorrência de alterações já realizadas por outros condôminos e já consolidadas no tempo, sem oposição ou ressalva, é também relevante. Ou seja, é necessário que o morador cerque-se, previamente, dos devidos cuidados, procurando o máximo de informações possíveis para, só então, com a necessária segurança, realizar o seu objetivo.
No presente artigo, procura-se demonstrar que, mesmo em situações que sejam configuradas como alteração de fachada, o condômino não pode ser multado, muito menos obrigado a restabelecer a situação fática anterior.
O primeiro ponto deve-se ao fato da fachada do condomínio já ter perdido as suas características originais de forma permanente e imutável. Caso existam, de longa data, diversas outras alterações na mesma fachada, como, por exemplo, esquadrias diferentes, janelas com formatos distintos, fechamento parcial de vão comum do prédio, abertura de janelas ou vãos adicionais, entre outros, ou seja, quando há muito a fachada do condomínio perdeu as suas características originais, não há que seja falar em qualquer infração em virtude de sua alteração.
A situação fática é de que a fachada original já está alterada de forma permanente, pelo transcurso do tempo, e, ainda que se retire uma irregularidade, todas as outras inúmeras modificações permanecerão inalteradas, de forma que a fachada permanecerá totalmente descaracterizada. Levando em conta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não há que se falar, portanto, em proteção da “harmonia visual” da fachada.
No sentido de que não se caracteriza alteração de fachada quando a mesma já está poluída anteriormente a modificação feita, é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“Controvérsia gira em torno da instalação de condensador de aparelho de ar condicionado em janela de prédio comercial. (…) Instalação dos aparelhos não importou em alteração da fachada, que já está totalmente poluída por inúmeros aparelhos instalados em todo o prédio.” (0009030-93.2019.8.19.0000 — AGRAVO DE INSTRUMENTO. Desembargador (a) TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES — Julgamento: 28/8/2019 — 6ª CÂMARA CÍVEL).
Do mesmo modo, é a linha seguida pelo Superior Tribunal de Justiça, ao entender pela inocorrência de alteração de fachada quando ela já se encontrava alterada e descaracterizada e em desarmonia com o projeto original:
“ALTERAÇÃO DE FACHADA. INOCORRÊNCIA. FACHADA QUE JÁ SE ENCONTRAVA ALTERADA E EM TOTAL DESARMONIA COM SEU PROJETO ORIGINAL. (…) não há falar em alteração de fachada ou em harmonia estética do conjunto arquitetônico, se já estamos diante de um prédio que já se encontrava totalmente descaracterizado do projeto original”. (REsp nº 1.414.301, ministro Raul Araújo, DJe de 23/09/2019).
O segundo ponto, deve-se à ausência de qualquer providência tomada quanto às outras unidades, configurador de um tratamento anti-isonômico entre os condôminos. Destaque-se que, o tratamento anti-isonômico quanto aos condôminos, não é tolerado pela Convenção de Condomínio e pela Lei, fato irrecusavelmente gerador de constrangimento ilícito e injustificável.
No sentido de que tratamento adotado pelo condomínio quanto a determinado condômino de forma distinta daquele empregado aos demais moradores, ser fato inclusive gerador de dano moral, ante o tratamento não igualitário inaplicado, é o entendimento do TJ-RJ:
“Condômina autora que fora advertida de aplicação de multa, caso mantivesse a construção realizada na fachada de seu imóvel, que, segundo equipe administrativa, descaracterizou a edificação original, afrontando a convenção e o regimento interno. Sentença de procedência parcial, que condenou o condomínio réu a se abster de cobrar multa (…) alteração de fachada, fora do regramento do condomínio, caracterizada. Laudo pericial que constatou que outros condôminos alteraram, também, as fachadas, porém não foram alvos de advertência. Tratamento adotado pelo condomínio à apelante, distinto daquele empregado aos demais moradores (…) dano moral configurado em decorrência do transtorno e constrangimento suportados pela apelante, ante o tratamento não igualitário”. (0035263-19.2018.8.19.0209 — APELAÇÃO. Desembargador (a). ANDRE GUSTAVO CORREA DE ANDRADE — Julgamento: 19/07/2022 – SÉTIMA CÂMARA CÍVEL).
Assim, o condomínio não pode empregar tratamento diferenciado aos condôminos, quando se está diante de situações fáticas que se assemelhem.
Como dito, o tratamento igualitário aos condôminos é comando constitucional, legal e pautado inclusive em toda convenção condominial. Atuar de forma diversa, repise-se, constrange o morador. Não se justifica a imposição de multa e de obrigação de fazer a morador, quando outros moradores, em condições análogas, ficam isentos de penalidade, em observância aos princípios da igualdade, proporcionalidade e razoabilidade.
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Aspecto de grande relevância se dá quando trata-se de ausência de qualquer visibilidade quanto à fachada em questão. Se a fachada não fica de frente para a rua, e, além disso, está coberta de algum modo, o que impede qualquer visão de pedestres quanto a ela, ou seja, se ninguém a vê e ela não fica de “frente” para a rua e não tem visibilidade externa, não há que se falar em influência na estética e impacto visual qualquer que seja, por tratar-se de fachada de “fundos” e inacessível para quem vê de fora do prédio.
Por fim, a ocorrência da supressio também torna legitima a alteração realizada. O fato é que é reconhecido o direito de manutenção das modificações realizadas em virtude do longo espaço de tempo transcorrido sem oposição ou ressalva.
Nesse sentido, são os julgados do STJ:
“A autora só se insurgiu contra as instalações de novos aparelhos de ar condicionado no momento em que seriam instalados próximos a sua unidade. Até então não se preocupou em preservar a fachada do edifício (…) alteração de fachada (…) alteração há muito vem ocorrendo, sem que a autora tenha se insurgido (…) Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial”. (REsp nº 1.613.939, ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 25/08/2016).
Absolutamente esclarecedor é o recentíssimo julgado do TJ-MG, ao se valer do instituto da supressio e do princípio da boa-fé objetiva para negar pedido de desfazimento de alteração de fachada e de alteração área comum:
“verificado o comprometimento substancial da fachada do edifício por outras obras realizadas também por condôminos, descaracterizando seu padrão arquitetônico, não há que se falar em conferir tratamento distinto e mais rigoroso aos réus, determinando o desfazimento de sua obra — O comportamento omissivo durante anos por parte do condomínio, em não criar objeções às obras que promoviam alteração da fachada do edifício por outros condôminos, criou a legitima expectativa nos autores de que existia uma autorização tácita para que igualmente pudessem modificar as suas janelas, a configurar a supressio — A conduta do condomínio de, após terminada a obra, tentar judicialmente promover o seu desfazimento dela com retorno ao ‘status quo ante’, mesmo havendo situações similares de outros condôminos, consiste em conduta contrária à boa fé objetiva — Recurso provido”. (TJ-MG — AC: 10000211156831003 MG, Relator: Lílian Maciel, Data de Julgamento: 14/07/2022, Câmaras Cíveis / 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/07/2022).
Considerando a existência de modificações anteriores na faixada do condomínio, inclusive com obras idênticas e anteriores realizada e sem que houvesse nenhuma oposição, cria-se a legitima expectativa de que é possível a realização da obra, em observância à figura da supressio, que tem fundamento justamente na boa-fé objetiva, fazendo com que haja a consolidação de estados jurídicos em função do decurso do tempo.
Em casos como este, a conduta do condomínio, consubstanciada na aplicação de multa e imposição de obrigação de fazer ao condômino, consiste em conduta contrária à boa fé objetiva. Frise-se que, o transcurso de tempo, segundo o STJ, para que a inação consolide uma situação jurídica albergada pela supressio, é de em torno de três anos.
Portanto, a cautela, aliada à análise conjuntural do edifício quanto às alterações anteriores protraídas no tempo, devem ser norteadoras e balizadoras das condutas do morador que pretende realizar quaisquer intervenções na fachada.
Gabriel de Britto Silva é advogado do escritório RBLR Advogados e especializado em Direito Imobiliário.
Renato Brito Neto é especializado em Direito Imobiliário e Condominial.
Fonte: Revista Consultor Jurídico