No último dia 20 de junho, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou tema de grande relevância para o setor de saneamento básico (serviço público de fornecimento de água e coleta de esgoto) e para o direito do consumidor, alterando entendimento consolidado há mais de uma década.
Em decisão relatada pelo ministro Paulo Sérgio Domingues, o STJ debruçou-se sobre a forma de cobrança da tarifa de água nas hipóteses em que o imóvel abastecido possui mais de uma unidade consumidora (economia), mas um único medidor/hidrômetro — situação típica dos condomínios.
O entendimento até então vigente, fixado ainda em 2010, era no sentido de ser ilícita a prática das concessionárias de realizar a cobrança com base na multiplicação da tarifa mínima pelo número de economias. Nesses casos, havendo um hidrômetro, o STJ fixou sua tese no sentido de que a cobrança deveria ser feita com base no consumo aferido pelo medidor.
Ocorre que, ao longo do tempo, isso levou a novas divergências de entendimentos nos tribunais de Justiça com relação à forma de aplicação da tarifa progressiva ou mesmo da tarifa mínima. Surgiram entendimentos que apontavam que o número de economias deveria ser levado em consideração para fins de aplicação da tarifa progressiva (resultando num critério híbrido de cobrança), ou outros que defendiam que a progressividade deveria incidir sobre a integralidade do consumo medido, desconsiderando o número de unidades consumidoras no imóvel.
Também o novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/20) passou a prever que a estrutura tarifária e de cobrança dos serviços deverá observar a “quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço” (artigo 30, III, Lei nº 11.445/07), o que suscitou a necessidade de revisão da tese fixada pelo STJ que desconsiderava a tarifa mínima nessas unidades consumidoras.
Se antes havia alguma dúvida acerca da correta interpretação do entendimento do STJ ou a necessidade de revisão do entendimento, esse já não parece mais ser o caso. A tese proposta pelo ministro relator Paulo Sergio Domingues e fixada pelo colegiado expressamente reputa como ilegal tanto a cobrança que considere uma única unidade consumidora para fins de aplicação da progressividade (fazendo, portanto, com que recaia sobre a integralidade do consumo medido), quanto a que dispense cada economia do pagamento da tarifa mínima (o que era causado pela adoção do critério híbrido de cobrança).
Com isso, foi considerada legítima a forma de cobrança que, quando houver um único hidrômetro, calcula a fatura com base na multiplicação da tarifa mínima pelo número de economias, ainda que o consumo medido pelo hidrômetro tenha sido inferior. Ainda, a tarifa progressiva incidiria apenas sobre o consumo que exceder essa multiplicação.
Em seu voto, o relator entendeu que essa forma de cobrança não representa enriquecimento sem causa das concessionárias, destacando até mesmo que a recente Lei nº 14.898/24, ao instituir a norma geral da tarifa social de água e esgoto (que concede desconto de 50% sobre a primeira faixa tarifária), não eximiu os menos abastados do pagamento da tarifa mínima, razão pela qual não se poderia isentar os demais consumidores da mesma obrigação.
Veja-se, abaixo, a transcrição da tese fixada, conforme constou na certidão de julgamento do REsp 1.937.891/RJ:
- Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (“tarifa mínima”), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
- Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
- Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.
Ainda, o ministro Paulo Sergio Domingues propôs a modulação dos efeitos do julgamento, destacando que, dada a divergência de interpretação do entendimento anteriormente fixado no STJ, a modulação incidiria de forma diversa, a depender da situação de cada caso concreto.
Assim, nos processos em que foi determinada a cobrança segundo o consumo medido no hidrômetro, mas considerando o número de unidades consumidoras para fins de incidência da tarifa progressiva (critério híbrido de cobrança), a concessionária terá o direito de alterar a forma de cobrança somente após a transposição do resultado do julgamento para os processos em curso, vedada a cobrança de valores pretéritos.
Já nos casos em que foi determinada a cobrança do consumo medido pelo hidrômetro de forma global (ou seja, com incidência da tarifa progressiva sobre a integralidade do consumo), deverá ser alterado o método de cálculo e ainda devolver a eventual diferença entre o que foi pago e aquilo que seria cobrado segundo a multiplicação de tarifa mínima pelo número de economias, o que poderá ser feito por meio de crédito na fatura.
Por fim, no caso em que praticada a cobrança segundo a multiplicação de tarifas mínimas pelo número de economias, a despeito do entendimento até então adotado pelo STJ, o relator destacou que nenhuma modulação seria necessária, impondo-se a improcedência da ação proposta pelos consumidores.
Muito embora o acórdão ainda não tenha sido publicado, as razões expostas pelo relator na sessão de julgamento já representam um marco que fortalece a segurança jurídica em relevante setor dos serviços públicos essenciais, mas que ainda exigirá assessoria jurídica especializada com relação aos novos entendimentos, ante a necessidade de correta aplicação de cada um dos desdobramentos da tese a ser fixada e dos efeitos da modulação sobre as ações em curso. Ao resolver uma divergência pendente há anos, o STJ contribui para um ambiente jurídico mais estável e previsível, que é fundamental para o desenvolvimento sustentável e eficiente dos serviços públicos no Brasil.