O ser humano é litigioso, e a vida condominial, ante a aglomeração inerente, revela de forma exemplar essa característica.

Nesse sentido, a resolução adequada dos conflitos condominiais é medida essencial para a qualidade de vida no lar, onde se busca refúgio e paz.

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E, a jurisdição estatal, desde muito, não se mostra como sendo a via adequada para resolução eficaz dos litígios condominiais, de amplo espectro de especificidades.

Nessa linha, lucidamente as convenções condominiais, de forma crescente e progressiva, vêm prevendo que litígios surgidos deverão ser dirimidos na via arbitral, em substituição ao Poder Judiciário.

Dentro desse cenário, tem-se o célebre julgado do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1733685/SP) datado de 06/11/2018, de relatoria do ministro Raul Araújo, tendo como voto vencedor o do ministro Moura Ribeiro.

Tratou-se de ação inibitória de obrigação de não fazer movida por condômino em face do condomínio, com o objetivo de impugnar determinação de manutenção de fachada na forma original. O STJ debateu sobre a validade da cláusula compromissória inserida na convenção de condomínio, notadamente em relação ao condômino que a ela não aderiu quando da Escritura Pública de Compra e Venda de sua unidade residencial adquirida posteriormente à inserção.

Cabe frisar que, os artigos 1.333 e 1.334 do Código Civil, estabelecem que a convenção subscrita por, no mínimo, 2/3 dos titulares das frações ideais é obrigatória para todos os condôminos. Aliás, com base nesta natureza estatutária da convenção que foi editada a Súmula nº 260: “A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre os condôminos”.

E, assim, restou emblematicamente exposto no voto condutor:

“a matéria discutida no âmbito da Convenção de condomínio é eminentemente institucional normativa, não tendo natureza jurídica contratual, motivo pelo qual vincula eventuais adquirentes. Diz respeito aos interesses dos condôminos e, como tal, não se trata de um contrato e não está submetida às regras do contrato de adesão. Daí a desnecessidade de assinatura ou visto específico do condômino”.

Deste modo, mesmo aqueles que não figuraram como anuentes da convenção por ocasião da instituição do condomínio, ficam subordinados ao que nela ficou estabelecido, ou seja, estabelecida na convenção a cláusula compromissória arbitral, seus efeitos são, necessariamente, estendidos a todos condôminos, sejam atuais ou futuros. Frise-se que, há ampla possibilidade de consultar o seu teor antes de adquirir unidade imobiliária.

A mencionada decisão mostrou-se um marco não apenas para a arbitragem, mas também para as relações jurídicas condominiais, reforçando a validade e oponibilidade da convenção de condomínio.

Destaque-se que, foi aprovado no Conselho Federal da OAB o enunciado nº 35, cujo teor prevê similarmente que: “A convenção arbitral incluída na convenção de condomínio é válida e eficaz também em relação aos futuros condôminos adquirentes”.

E, caminha alinhada a recentíssima jurisprudência pátria:

“CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. VALIDADE. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO JUÍZO ARBITRAL. (…) A par de alegar em sede de contrarrazões que a convenção do condomínio não prevaleceria diante do fato de não residir mais no local, tem-se que a causa de pedir da lide é o impedimento da mudança com a retirada dos pertences justamente em razão de estipulação no regimento de quitação das taxas, de modo que não há como afastar as estipulações quando a matéria discutida é sobre a relação condominial estabelecida entre as partes”. (TJ-GO 52517198920208090012, relator: ROZANA FERNANDES CAMAPUM, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Publicação: 17/11/2021).
“A cláusula compromissória inserida na convenção do condomínio, instrumento este que possui natureza institucional normativa, possui força vinculante em relação a qualquer pessoa, condômino ou ocupante, que faça uso das unidades autônomas componentes do condomínio”. (TJ-GO – PROCESSO 04434473720138090051 GOIÂNIA, relator: desembargador (a). DELINTRO BELO DE ALMEIDA FILHO, Data de Julgamento: 18/03/2021, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 18/3/2021).

Excepciona-se, apenas, como não poderia deixar de ser, ante a ausência de poder coercitivo do árbitro, o tratamento na via arbitral de execuções, como é o caso das execuções de título extrajudicial tendo como base débitos de cotas condominiais:

“Execução de título extrajudicial. Taxas condominiais. Competência da Corte de Arbitragem. Afastada. A existência de cláusula compromissória, no presente caso, não constitui óbice ao ajuizamento de execução de título extrajudicial, porquanto a Lei nº 9.307/96 não conferiu à arbitragem os poderes coercitivos que são próprios do processo de execução”. (TJ-GO 53656314420208090051, relator: REINALDO ALVES FERREIRA — (DESEMBARGADOR), 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 15/05/2022).

Nesse contexto evolutivo, adveio do legislativo o Projeto de Lei (PL) nº 4.081/2021, de autoria do deputado federal Kim Kataguiri, proposto no dia 18/11/2021, que estabelece, com o fim de dar ainda mais segurança jurídica ao tema, que as convenções de condomínios de edifícios poderão prever a solução de conflitos por meio de arbitragem. O PL foi recebido pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, no dia 6/2/2022.

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O artigo 1.334 do Código Civil passaria a viger acrescido do seguinte inciso VI: “cláusula compromissória de arbitragem para a resolução de conflitos de vizinhança”.

E, o artigo 4º da Lei 9.307/1996 (Lei da Arbitragem) passaria a viger acrescido do seguinte parágrafo 5º: “A cláusula compromissória pode ser estipulada na convenção dos condomínios edilícios, vinculando todos os condôminos e titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção, inclusive os que passaram a ter a posse ou detenção sobre uma das unidades em data posterior à estipulação da cláusula compromissória na convenção do condomínio edilício”.

Felizmente, floresce substancial jurisprudência apta a dar segurança jurídica ao tema posto, possibilitando a efetivação adequada dos conflitos condominiais via jurisdição privada, aliada ao pertinente Projeto de Lei nº 4.081/2021, ao qual ainda não foi dada a devida celeridade de tramitação proporcional à relevância e extremado reflexo social da matéria. Aprovação breve é medida que se impõe.

Gabriel de Britto Silva é advogado do escritório RBLR Advogados e especializado em Direito Imobiliário.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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