Nos condomínios que possuem hidrômetro único, a tarifa de água deve ser calculada por meio de uma franquia mínima fixa imposta a cada unidade, somada a uma parcela variável exigida apenas quando o consumo real auferido no medidor excedê-la (considerando o valor de todas as unidades).
Revisão da forma de cálculo leva à alteração da tese do Tema 414 dos recursos repetitivos
A conclusão é da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que revisou a tese fixada no Tema 414 dos recursos repetitivos. Isso significa a mudança no método de cálculo da tarifa de água nos condomínios que têm hidrômetro único.
O tema é de imenso impacto econômico e social. O resultado acaba por corrigir uma distorção existente na tese anterior do Tema 414, firmada em 2010 e que, na prática, já não era praticada em muitos dos municípios.
Isso porque a cobrança da água é feita por faixas de consumo. Há uma tarifa mínima exigida de todos a partir de uma primeira faixa. A praxe é que ela seja de 10 m³. Assim, se a pessoa consome 1 m³ ou 9 m³, paga o mesmo valor mínimo.
A partir daí, haverá faixas de consumo pré-fixadas para determinar qual será o valor tarifa. Elas podem variar de acordo com o tipo de imóvel e são definidas pelas agências reguladoras espalhadas pelos estados — ou seja, os valores mudam de local para local.
A dificuldade é saber qual será a tarifa quando um condomínio composto por várias unidades independentes tem apenas um hidrômetro.
Pela tese fixada pelo STJ em 2010, essa definição deveria partir pelo consumo real aferido nesse hidrômetro.
Ou seja, a companhia faz a medição, encaixa o valor em uma das faixas de consumo e envia a conta única.
Esse método se mostrou desaconselhável porque condomínios com muitas unidades tendem consumir mais água. Se o consumo real total é alto, a conta é calculada por uma faixa de consumo mais alta, com o encarecimento do valor do metro cúbico.
Como concessionárias e condomínios insistiram em discordar sobre esse método, a judicialização do tema permaneceu. A tese de 2010 não resolveu, o que levou a 1ª Seção a promover uma revisão e, dessa forma, a alteração.
Mais isonomia
A nova lógica para cálculo da tarifa é pelo método chamado de consumo real fracionado. Considera-se cada unidade como um usuário do serviço. Assim, divide-se o consumo real aferido no hidrômetro pelo número de unidades habitacionais existentes.
O voto do relator, ministro Paulo Sérgio Domingues, explica que esse consumo é dividido em duas parcelas.
Uma parcela é fixa, representada pela tarifa mínima. Ela sempre será paga, independentemente do consumo de todas as unidades somadas.
A segunda parcela é variável e exigida apenas quando o consumo real auferido pelo medidor único exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
A diferença de um método para o outro é bastante relevante. O voto do relator usa uma situação real específica em que um condomínio de 124 unidades de consumo registrou medição de 1.547 m³.
Pelo critério anterior, essa medição levaria o condomínio a uma das faixas de consumo mais altas previstas na localidade. A conta final daria aproximadamente R$ 71 mil a serem pagos.
Já pelo critério atualizado da 1ª Seção, cada unidade pagaria a tarifa mínima. O excedente poderia levar a conta a faixas mais altas de consumo, mas não tão altas quanto no exemplo anterior. O cálculo, nesse caso, é de que a conta ficaria em cerca de R$ 10 mil.
“Não vejo razão para manter a jurisprudência de 2010, que perpetuaria o tratamento anti-isonômico entre condomínios, baseados na existência ou não de medidor individualizado”, disse o relator.
A conclusão do voto ainda propõe uma modulação dos efeitos da tese, explicando como ela deve impactar os casos anteriores e em quais situações.
Aos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e com único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação de serviço de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (tarifa mínima), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economia), bem como por meio de uma segunda parcela variável e eventual exigida apenas se o consumo real auferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
Aos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação de serviço de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considera o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
Aos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro, é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação de serviço de saneamento que, a partir de hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo de condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.
A modulação é proposta diante de três realidades possíveis.
Realidade 1: Embora proibido nos termos do Tema 414 do STJ, a prestadora de serviços estava calculando tarifa nos termos ora autorizados pelo método.
Modulação: nesse caso não há modulação. Ações levarão à improcedência do pedido do condomínio.
Realidade 2: Quando prestadora de serviço estava calculando a tarifa dos condomínios dotados de medidor único apenas pelo consumo real aferido no hidrômetro (método hibrido) em razão de decisão judicial impositiva na ação revisional de tarifa.
Modulação: nesse caso, será lícito modificar o método de cálculo da tarifa tão logo o entendimento desse julgamento seja transposto para as ações judiciais em curso, revogando-se eventuais decisões precárias em sentido contrário. Fica vedado que sejam cobrados valores pretéritos por pagamento a menor em razão do modelo híbrido.
Realidade 3: Nas situações em que cobrança era feita apenas pelo método do consumo real global (tomando-se como único usuário do serviço).
Modulação: A despeito da discrepância de valores, reconhece-se que a dinâmica da evolução jurisprudencial permite afirmar que conduta da concessionária seria, de certa forma, escusável, já que a tese do Tema 414 retirou do cenário jurídico as metodologias alternativas. Se essa cobrança se der por força de decisão judicial, mais justificado ainda. Nesses casos, deve-se impor às prestadoras de serviço, nas ações, o dever de modificar o método de cálculo da tarifa, adequando-o ao que foi estabelecido pelo STJ no julgamento desta quarta.
Em nome da vedação ao enriquecimento sem causa e à luz da enorme desproporcionalidade desse método de cálculo da tarifa quando em confronto com o serviço prestado e a condição pessoal dos usuários atingidos, reconhece-se direito do condomínio de ser ressarcido pelos valores pagos a maior, autorizando-se que a restituição seja feita pelas prestadoras por meio compensação, por meio do montante restituível com parcelas vincendas da própria tarifa devida pelo condomínio, até a extinção da obrigação, respeitada a prescrição conforme regulada pela jurisprudência. Ficava vedada a ordem de devolução em dobro dos valores indevidamente pagos.