CONDOMÍNIO EDILÍCIO. Vagas de garagem. Distribuição disciplinada pela convenção condominial. Transferência entre condôminos possível apenas pelo titular, com informação ao condomínio. Concretização da suposta transferência pelos vendedores do imóvel após sua alienação a terceiros. Ato, ademais, firmado pelo convivente/marido de uma das titulares. Ineficácia da alienação realizada por quem não titularizava o direito. Recurso não provido.
Cuida-se de recurso de apelação interposto contra sentença proferida pela juíza da 2ª Vara Cível do Foro Central da Capital, que julgou procedentes os pedidos para (i) atribuir novamente a vaga de garagem objeto do litígio à autora, com determinação de desocupação pelos moradores da unidade 111, cabendo ao condomínio a pintura da unidade ora designada na parede correspondente; e (ii) condenar o condomínio réu a pagar à autora o valor de R$ 5.000,00 a título de indenização por danos morais. Ainda condenou os réus solidariamente ao pagamento das custas, das despesas processuais e de honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação em dinheiro (estabelecendo a divisão de 5% para a ré Emira e de 15% para o condomínio réu).
Segundo a recorrente, corré Emira, a sentença deve ser reformada, em síntese, porque há prova oral que contradiz as premissas adotadas pela sentença no que toca à data em que a troca de garagem foi realizada. Aponta o depoimento de Daniel, em que confessa a assinatura do documento de troca da vaga. Quanto à data dessa assinatura, aponta que foi confessado que ocorreu antes do casamento de Daniel com Raquel (01-09-2012), ou seja, dois meses antes da venda do imóvel à autora, o que ocorreu em 01-11-2012, o que não foi negado por Raquel. Sustenta que Daniel agia com ânimo de dono desde 01-12-2009 e que um sítio eletrônico (www.sindiconet.com.br) entende que o cônjuge do proprietário é considerado condômino por extensão. Discorre sobre o fato de ser a atual ocupante da vaga e sobre as necessidades que a levaram a tanto.
O recurso não merece guarida. O juízo de primeiro grau, sem dúvidas, deu solução adequada ao caso.
Assim constou da r. sentença: “A autora é proprietária da unidade 11 do condomínio réu, adquirida em 1º de novembro de 2012 de Raquel Leite Bernardi e Vera Lúcia Leite Bernardi, conforme escritura pública. À unidade autônoma estava também atrelada ‘uma vaga, para estacionamento de automóvel de passeio em lugar individual e indeterminado, na garagem localizada no subsolo’. É incontroverso que os moradores do apartamento, até a venda, eram Raquel e seu então companheiro (e hoje marido) Daniel Simoncello Filho. Sendo as vagas de garagemindeterminadas, é igualmente incontroversa a disciplina de sua utilização, estabelecida pelo condomínio. Estabeleceu-se que a cada unidade seria atribuída a vaga que sempre foi historicamente utilizada, o que, segundo consta dos autos, jamais ensejou qualquer tipo de controvérsia. Especificamente no que se refere à vaga objeto de disputa, disse a ex-proprietária Raquel, ouvida em audiência, que quando adquiriu o apartamento aquela mesma vaga já era designada à unidade 11, à qual estava atrelada havia muitos anos. Sendo assim, não há dúvida de que a vaga em disputa sempre foi legitimamente atrelada à unidade 11, segundo o costume do condomínio. Estabelecida essa premissa, impõe-se analisar o regramento estabelecido pelo condomínio a respeito da alteração da titularidade do direito de uso das vagas. E essa disciplina é igualmente incontroversa, estando estabelecida na regra ‘7’ da atade assembleia, realizada em 26 de outubro de 2016. De acordo com tal disciplina, ‘qualquer alteração, como troca de vagas, será exclusiva e diretamente de interesse dos titulares das respectivas unidades, e entre si avençada, e depois de acertados, enviarão comunicado com autorização por escrito à Síndica, para que esta determine a mudança dos números de identificação das vagas permutadas’ Não havia, portanto, qualquer regra estabelecendo que as vagas de apartamentos vendidos ficariam à disposição dos demais moradores. Pois bem. É certo, portanto, que a vaga objeto da disputa era atrelada, por direito, à unidade 11, e somente poderia ser disponibilizada a outra unidade por ato de disposição praticado pelo (a) titular da referida unidade. Ocorre que a autora comprou o apartamento 11 em 1º de novembro de 2012, e,claro, não se mudou imediatamente. Quando se mudou para o edifício, foi surpreendida com a notícia de que sua vaga havia sido disponibilizada para outra unidade. Esta unidade, conforme a autora veio posteriormente a saber, era a unidade 111, de propriedade da ré Emira, cujo filho, André, era o então sub-síndico do prédio. Diz a ré Emira que a vaga em disputa foi negociada com os antigos proprietários do apartamento 11. Invoca o documento, a saber, autorização de troca de vaga de garagem firmada por Daniel, marido da ex-proprietária Raquel. Ninguém nega a autenticidade das assinaturas. O próprio Daniel, ouvido em audiência, reconheceu e admitiu ter assinado o documento. Ocorre que o documento em questão não tem data, de maneira que nele não se faz prova da ocasião em que foi firmado. De qualquer maneira, é certo que opróprio Daniel foi categórico ao afirmar que a solicitação de troca foi formulada quando o apartamento já havia sido vendido à autora. […] Também Raquel, ouvida por carta precatória, relatou inúmeras vezes o mesmo fato. Disse que André procurou o casal no hall do elevador do prédio, onde tiveram uma conversa informal na qual André solicitou a troca da vaga de garagem. Raquel repetiu diversas vezes (v.g, aproximadamente nos segundos 02:10, 03:45, 05:48, 09:43, 10:56, 14:25 e 15:38 do seu depoimento) que quando André procurou o casal solicitando a troca de vaga o apartamento já estava vendido à autora. Acrescentou Raquel que André foi orientado a procurar a autora para saber se ela concordava com a troca, dado que ela já era a atual proprietária do imóvel. Disse Raquel, ainda, que ‘para mim a gente oficialmente não trocou nada’ (minuto 15:23), aludindo à necessidade de ratificação da troca pela nova proprietária da unidade. O documento foi firmado depois dessa conversa no hall do elevador, o que é lógico e óbvio, além de confirmado por Raquel no minuto 10:56 de seu depoimento. Mas André jamais procurou a autora para que ratificasse a troca. Aocontrário, tão logo o imóvel foi desocupado pelos antigos proprietários, os moradores do 111 passaram a ocupar a vaga em questão, na qual foi inclusive pintado o número correspondente à nova unidade. A troca, evidentemente, não tem validade. Ora, dispõe o regulamento que a troca deve ser feita entre os titulares das unidades, posição que nem Raquel e nem Daniel ocupavam porocasião da negociação. Com efeito, ambos foram categóricos ao afirmar que concordavam com a troca, ‘ad referendum’ da autora, a quem já haviam vendido o apartamento. E nem a ré Emira nem o réu Condomínio demonstraram o contrário, não havendo nos autos nenhum elemento indicando que a troca da vaga houvesse sido feita antes da venda. Sendo assim, a disposição da vaga por quem já não era mais proprietário da unidade é nula, sendo absolutamente destituído de qualquer efeito o documento. A autora faz jus, portanto, a voltar a ocupar a vaga originalmente vinculada à unidade 11, a qual deverá ser desocupada pelos moradores da unidade 111”.
Realmente, o conjunto probatório dos autos tornou inequívoco que a alienação ocorreu após a venda do imóvel à autora. Meras divergências pontuais não tem o condão de alterar a versão repisada por tantas vezes pelos depoentes e que se harmoniza praticamente com a totalidade da prova oral colhida.
Nesse contexto, independentemente da ótica pela qual se analise a questão, seja pelo regramento dos bens imóveis (art. 1.227 do CC), pelo dos bens móveis (art. 1.268 do CC) ou pelas disposições da convenção condominial (regra ‘7’ da ata de assembleia), fato é que a alegada transferência da vaga de garagem não tem como produzir qualquer efeito porquanto realizada por quem não era o titular do direito de uso ou de propriedade.
Ainda que prosperassem os argumentos da apelante no tocante à data da suposta transferência da vaga, o desfecho da lide não seria diferente. Afinal, é irrelevante a data em que ocorreu a alegada “transferência da vaga”.
De um lado, caso a transferência tenha ocorrido antes da venda do apartamento e antesdo casamento do suposto vendedor com a ex-titular, conforme alega a corré Emira, é evidente que o documento firmado por esse futuro marido da efetiva proprietária não tinha o condão de transferir direito que apenas ela titularizava. De outro, se o documento de transferência foi firmado após o casamento e após a venda, permanece incólume o quanto decidido na sentença, até porque as conclusões tiradas dessa premissa não foram especificamente impugnadas. Em outras palavras, o documento foi firmado por pessoa que não titularizou os direitos sobre a vaga, de modo que nunca poderia tê-los transferido.
Nem se diga que o suposto vendedor, enquanto convivente da titular do imóvel, exercia status de “condômino por equiparação” com possibilidade de negociar a vaga, pois o imóvel, junto com a vaga que lhe foi atrelada pelas normas condominiais, não era só de titularidade da convivente vendedora, mas também da irmã desta. E mesmo quanto à convivente, não houve outorga de procuração nesse sentido.
Posto isso, nego provimento ao recurso.
Fonte: Jusbrasil.