Obrigações propter rem (“por causa da coisa”) — reais ou ambulatórias (pois se deslocam com o dono) — são aquelas que atribuem ao titular da propriedade, ou de outro direito real, a obrigação de cumprir prestação destinada a harmonizar o exercício de seu direito com outro incidente sobre a mesma coisa ou sobre coisa vizinha.

A propósito, Antonio Junqueira de Azevedo distinguia as obrigações propter rem das comuns pelo fato de as últimas não poderem ser transmitidas, “do lado passivo, aos sucessores a título singular do devedor”. Por outro lado, as obrigações propter rem destacam-se pelo fato de o devedor ser determinado pela titularidade da propriedade: alienada a coisa, altera-se o sujeito passivo da obrigação, decorrendo daí o seu caráter ambulatório.

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Embora não haja controvérsia sobre o seu conceito, o Direito Civil brasileiro parece não ter desenvolvido as obrigações propter rem como o fez com as demais modalidades de obrigações (dar, fazer, não fazer, simples, compostas etc.), inexistindo, pois, “uma estrutura normativa”, um “regime específico” ou mesmo “normas sobre sua transmissão ou cobrança”. Trata-se, pois, de uma categoria obrigacional imprecisa.

Não se pode negar, entretanto, que as despesas condominiais são consideradas obrigações propter rem por excelência, o que leva a crer, ao menos no que toca a tais obrigações, que o conceito parece atingir o seu desiderato, que é o de “beneficiar o condomínio, facilitando a cobrança da dívida”.

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A despeito disso, a jurisprudência parecia ter se consolidado no sentido de não ser possível a penhora de imóvel alienado fiduciariamente em execução de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante. O fundamento adotado residia no fato de o bem não integrar o patrimônio do executado.

Recentemente, a propósito, o Superior Tribunal de Justiça deu mostras de que tal entendimento permaneceria estável, o que tem influenciado diversos tribunais de justiça. Em tais hipóteses, admite-se, apenas, a penhora de “direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia”, na esteira do que dispõe o artigo 835, inciso XII, do Código de Processo Civil.

O fundamento invocado em tais decisões reside no fato de que o caráter ambulatorial dos débitos condominiais que decorre do artigo 1.345 do Código Civil é excepcionado pelo artigo 27, §8º, da Lei nº 9.514/1997, que dispõe: “Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse”.

Desse modo, enquanto estivesse na posse direta do imóvel, o devedor fiduciante é quem responderia pelos débitos condominiais. Eventual responsabilidade do credor fiduciário incidiria apenas a partir da data em que consolidar a propriedade fiduciária em seu nome, conforme o disposto no artigo 1.368-B, parágrafo único, do Código Civil: “O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem”.

Daniel Amaral Carnaúba e Guilherme Henrique Lima Reinig entendem que tais dispositivos não teriam o condão de afastar a responsabilidade do credor fiduciário, pois este deverá exigir que o lance mínimo para a arrematação seja suficiente para satisfazer as despesas do imóvel, incluindo as contribuições condominiais atrasadas (artigo 27, §2º, Lei 9.514/1997). No tocante ao artigo 1.368-B do Código Civil, este indica que o credor fiduciário não poderia ser cobrado por dívidas tributárias e condominiais enquanto durar a relação fiduciária. Entretanto, consolidada a propriedade nas mãos do credor fiduciário, a fidúcia desaparece, devendo o credor fiduciário assumir, “como qualquer proprietário comum, a posição de devedor das obrigações que oneram o imóvel”.

A despeito disso, a relatora do Recurso Especial nº 2.036.289/RS, ministra Nancy Andrighi, entendeu que o caráter ambulatorial das despesas condominiais, que é regra geral prevista no artigo 1.345 do Código Civil, não impede que o legislador “a excepcione em hipóteses específicas”, como o fez com os artigos 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do Código Civil.

E concluiu que havendo regra apontando para a responsabilidade do devedor fiduciante pelo pagamento das despesas condominiais, é o seu patrimônio que deverá responder pela satisfação da dívida (artigo 391, CC; artigo 789, CPC), limitando-se a penhora, portanto, aos direitos de crédito decorrentes do contrato de alienação fiduciária.

Ocorre que a Quarta Turma, apenas um mês após essa conclusão, proferiu decisão diametralmente oposta, alterando sua própria jurisprudência, ao decidir pela possibilidade de penhora do próprio imóvel gerador das despesas condominiais, ainda que alienado fiduciariamente. Trata-se do Recurso Especial nº 2.059.278/SC, cujo julgamento foi concluído em 23/5/2023 — publicado recentemente (cfr. notícia do dia 14/9/2023).

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Quando do início desse julgamento, o relator originário, ministro Marco Buzzi, destacara que o imóvel alienado fiduciariamente “não integra o patrimônio do devedor fiduciante”, que detém apenas a posse direta, devendo incidir, portanto, a regra do artigo 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e do artigo 1.368-B do Código Civil. E com isso, votou pela rejeição do recurso.

Porém, após pedido de vista do ministro Raul Araújo, prevaleceu o entendimento segundo o qual a natureza propter rem da obrigação condominial deve se sobrepor aos direitos do credor fiduciário, sob pena de se conceder a este uma proteção especial contra as dívidas do condomínio. Ora, se as despesas condominiais não forem pagas pelo devedor nem pelo credor fiduciário, essa responsabilidade recairá injustamente sobre os demais condôminos.

A propósito do tema, já haviam registrado Daniel Amaral Carnaúba e Guilherme Henrique Lima Reinig que o não pagamento das despesas condominiais é considerado “pernicioso para a harmonia da comunhão”, pois acaba por impor um ônus desigual aos demais proprietários, obrigados a arcar com a dívida do condômino inadimplente. Não por outra razão que “o ordenamento jurídico” concedeu “status privilegiado às obrigações condominiais”, justamente para proteger os interesses dos condôminos lesados. Para os autores, “o mecanismo mais eficaz de proteção aos condôminos prejudicados está na natureza peculiar, comumente atribuída às obrigações condominiais: a natureza de obrigação real ou propter rem”.

No que toca aos artigos 27, §8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do Código Civil, constou do voto vencedor que eles não impedem a penhora do próprio imóvel. Referidos dispositivos se limitariam a disciplinar a relação jurídica entre os contratantes, não alcançando nem se sobrepondo aos direitos de terceiros não contratantes, como é o caso do condomínio credor de dívida condominial. Para efeitos de comparação, o relator designado trouxe o artigo 23, inciso XII, da Lei nº 8.245/1991, que, ao atribuir ao locatário a obrigação de pagar as despesas ordinárias do condomínio, não estaria isentando o locador-proprietário do imóvel de tais despesas, caso o locatário não arcasse com elas

Consequentemente, o artigo 1.345 do Código Civil, ao dispor sobre a natureza propter rem das despesas de condomínio, estaria a exigir a citação do credor fiduciário na execução a fim de que exerça o direito de pagar o débito condominial e, posteriormente, reaver o montante pago do devedor original.

Vê-se que a controvérsia em torno do tema voltou à cena e merece uma uniformização pela Segunda Seção do Superior de Tribunal de Justiça. Aparentemente, a Quarta Turma adotou uma interpretação teleológica da norma, ao passo que a Terceira Turma, uma mais literal. Embora a decisão da Quarta Turma é a que mais atende à proteção dos condomínios, tudo indica que é a posição da Terceira que prevalecerá, uma vez que foi tomada por unanimidade; num possível desempate, agregar-se-á aos seus votos o do ministro Marco Buzzi, vencido no último julgado. Mas é só uma suposição. A questão ainda está longe de ser solucionada…

Fonte: Conjur

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