Embora popularizado com o uso de plataformas digitais, o aluguel por temporada em condomínios ainda não está pacificado na justiça e condomínios podem estabelecer regras.
Aluguel por temporada, ou locação de curta temporada, não é nenhuma novidade nas transações imobiliárias, uma vez que está regulamentada pela Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato).
Com a consolidação da economia do compartilhamento via plataformas digitais em diversos setores (alimentação, entrega, venda de usados, coworking etc), a popularização do uso de aplicativos virou uma realidade na locação de imóveis – muitas vezes, curtíssima, de 1 a 3 dias.
A crescente adesão a este modelo de aluguel se tornou um desafio sem precedentes para os condomínios e trouxe novas nuances e debates em torno da prática de hospedagem x locação de curta temporada.
O assunto não é pacificado na justiça brasileira, que já tomou decisões tanto para autorizar quanto para proibir a mesma prática.
Em novembro de 2021, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proibiu o modelo de aluguel de curta temporada em um condomínio de Londrina. Tal decisão segue o mesmo sentido da proferida pela 4ª Turma do mesmo tribunal, em abril de 2021, referente a um residencial em Porto Alegre.
Por sinal, em dezembro de 2023 foi mantida a proibição da prática sem autorização da convenção do referido condomínio. Para o Airbnb, essas decisões se tratam de casos pontuais e não determinam a proibição generalizada desse tipo de locação em condomínios. Já para alguns especialistas, precedentes preocupam pelo impacto na segurança jurídica de quem investe em imóveis na plataforma. O debate é longo.
Com o assunto não é pacificado na justiça, como, então, regulamentar ou restringir a prática do aluguel por temporada em condomínios? Afinal, é possível proibir? Pode-se permitir esse tipo de locação sem restrições?
O aluguel por temporada é regido pela lei federal 8.245/91, capítulo II e seção II, ao passo que a hospedagem está regulamentada pela lei federal 11.771/08.
“No meio jurídico, o que a maioria entende é que se o serviço ofertado não se encaixar em ‘locação por temporada’, deve ser caracterizado como ‘hospedagem’”, explica o advogado especialista em condomínios Alexandre Marques.
A discussão, porém, pode ser grande, uma vez que a lei de locação não determina um prazo mínimo para diferenciar uma da outra.
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E como a própria lei de locação não estipula um prazo mínimo para diferenciar-se de hospedagem, fica difícil proibir.
“É uma tarefa quase impossível proibir esse tipo de situação no condomínio, são outros tempos”, explica o diretor da administradora Condovel Carlos José Berzoti.
Para ele, o grande entrave é a questão da segurança no condomínio.
“Se nós já sofremos invasões com o condomínio todo fechado, imagina dando a chave para desconhecidos? ”, pondera ele.
O que Carlos defende é que o síndico chame uma assembleia para, assim, deliberar assuntos como horário de entrada e saída dos visitantes, uso de áreas comuns, etc.
Esse também é o entendimento de Angelica Arbex, diretora de Marketing e Inovação da administradora Lello.
“O modelo existe e está consolidado, lutar contra ele não parece ser a estratégia mais adequada. É necessário conhecer e entender como a locação de curta temporada funciona e relacionar isso à realidade e perfil de cada condomínio, e é o síndico quem melhor conhece essa realidade. Criar um conjunto de procedimentos e regras a serem seguidas, aprovadas em assembleia, e compartilhadas com a comunidade fica mais fácil de construir um ambiente mais harmonioso”, sugere a diretora da Lello.
Discutir o assunto em assembleia também é a sugestão do advogado especialista em condomínios André Junqueira.
O profissional, que atua no Rio de Janeiro, tem participado de diversas discussões sobre o tema em condomínio.
Um ponto que o advogado levantou – e que muitos entendem como um ‘caminho do meio’ entre proibir e permitir o serviço em condomínios – é restringir o período que é permitido alugar a unidade.
“Nos locais onde se votou a favor desse tipo de serviço, as ressalvas foram alugar por no mínimo 30 dias e feriados como o carnaval e final de ano, época em que os condomínios em cidade de veraneio já se preparam para receber um afluxo maior de pessoas”, assinala André.
Outros condomínios que conversaram sobre o tema decidiram que o condômino pode alugar, sim, para terceiros, mas desde que seja apenas a sua unidade, e com ele presente.
“Dessa forma, o morador está ali acompanhando mais de perto, é uma segurança a mais”, argumenta Carlos José.
Segurança do condomínio: incluir regras de aluguel de temporada na convenção
Diante das duas decisões do STJ (abril e novembro de 2021) sobre locação de temporada via aplicativo, a Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC) recomenda que cada condomínio incorpore à convenção regras pertinentes ao assunto.
“É recomendável tratar do assunto de forma expressa na Convenção de Condomínio, adaptando-se à vontade democrática dos condôminos, de forma a permitir ou vetar o uso de aplicativos, até que o tema controverso seja completamente pacificado por novo julgamento com força vinculante ou por alteração de lei”, diz José Roberto Graiche Júnior, presidente da AABIC.
Ele lembra que a alteração da Convenção, segundo o artigo 1.351 do Código Civil, requer a aprovação de pelo menos dois terços dos proprietários das unidades que constituem o condomínio.
Em 2023, o assunto voltou a ganhar repercussão com o julgamento que negou um pedido de embargo à decisão anterior.
Em condomínios nos quais a alta rotatividade de hóspedes já é conhecida, é provável que esta modalidade de locação esteja “pacificada”, com regras bem definidas e respeitadas.
Mas por conta das férias de final de ano, é preciso ficar atento ao aumento no fluxo dos “inquilinos por temporada”, para evitar que a segurança ou o sossego da vizinhança sejam prejudicados.
Dessa forma, síndicos, anfitriões (proprietários) e hóspedes devem estar com as normas completamente alinhadas.
Assim como já orientado nesta matéria, o advogado Márcio Spimpolo também enfatiza que todas as regras devem estar bem esclarecidas e aprovadas pela maioria dos condôminos numa assembleia com pauta específica para esta finalidade. Além disso, é ainda mais seguro incluir as normas no Regulamento Interno, com capítulo específico sobre aluguel de temporada.
Veja abaixo as recomendações que síndicos e anfitriões devem fazer para o bom andamento do condomínio durante as locações de temporada no final de ano.
Síndico
1) Crie regras e repasse-as ao anfitrião:
Apresentação obrigatória de documento de identidade para controle de acesso;
Check-in (recepção) deve ser feito pelo proprietário (anfitrião) e não pelo porteiro;
Horários de check-in e check-out pré-determinados de acordo com possíveis restrições da portaria, para não sobrecarregar os funcionários;
Estadia mínima de, pelo menos, três diárias (evita que cada dia apareça uma pessoa nova no condomínio);
Número máximo de hóspedes de acordo com o tamanho do imóvel;
Limite de visitantes por hóspede (ideal apenas dois);
Horário de silêncio conforme regimento interno ou convenção;
Festas e eventos estão proibidos, inclusive pelo Airbnb;
Uso de bebidas alcoólicas, garrafas de vidro, cigarros, vapes e narguiles em áreas comuns, sobretudo na piscina, deve ser proibido;
Anfitrião será responsabilizado por quaisquer infrações cometidas pelos hóspedes;
Responsabilidade pelo descarte correto do lixo (separar recicláveis, ensacar e colocar nas lixeiras);
Proibir o uso de áreas de lazer é arriscado, portanto, faça restrições seguindo o regulamento interno;
Normas quanto a animais de estimação em áreas comuns também devem seguir o regimento interno ou convenção;
Fotografias e filmagens comerciais permitidas apenas com prévia autorização do condomínio;
2) Reforce com os anfitriões a importância de checar a identidade dos hóspedes com rigor;
3) Se a reserva foi feita através do Airbnb, divulgue o Canal de Apoio ao Vizinho (disponível 24h por dia) a todos os moradores no caso de eventuais incidentes (denúncia de festa, reclamação de barulho, etc);
4) Certifique-se de que as câmeras de segurança das áreas comuns estão em perfeito funcionamento, inclusive, com a gravação de imagens em dia;
5) Reforce os procedimentos de segurança com os porteiros, repassando a eles os dados dos hóspedes para correta conferência.
Anfitrião (proprietário)
Mantenha atualizado o campo “Regras da Casa” no anúncio, especificando as normas internas do condomínio elencadas acima;
Afixe no local uma cópia impressa das regras de uso da unidade e do condomínio;
Forneça à portaria o cadastro completo de hóspedes (nome, número do documento de identidade, telefone de contato e placa de veículos, se houver, são essenciais);
Lembrar os hóspedes por escrito de que multas ou reparos decorrentes de infrações cometidas dentro do condomínio serão repassados a eles;
Caso a reserva seja feita através do Airbnb, divulgue o recurso Linha de Atendimento Urgente, que permite, por meio do aplicativo, acesso direto a uma equipe de segurança treinada, tanto para anfitriões quanto para hóspedes, no caso de crises ou situações de emergência durante estadias ativas (alguma ameaça à segurança física, realização de festa não autorizada ou uma violação de privacidade, por exemplo).
Recomenda-se informar os vizinhos de que receberá hóspedes, para evitar surpresas e mal entendidos;
Dê preferência para o uso de fechaduras eletrônicas (para que o check-in seja facilitado e para que a chave não fique na portaria).
Conceda aos seus hóspedes números de telefone de emergência da região, mapa das saídas de emergência e rotas de evacuação, bem como a localização de extintores de incêndio.
Por fim, Márcio Spimpolo pede para que síndicos, especialmente de condomínios com grande potencial para oferecer unidades de locação por temporada, levem o assunto para assembleia anualmente.