Conforme divulgado recentemente, a SBDI 1 (Subseção I Especializada em Dissídios Individuais) do TST (Tribunal Superior do Trabalho), em 2/2/2023, suspendeu a proclamação do resultado do julgamento do processo em que se discutia a aplicação da reforma trabalhista — Lei nº 13.467/2017 — aos contratos de trabalho já vigentes quando de sua entrada em vigor e o encaminhou ao Tribunal Pleno para deliberação sobre a questão controvertida (E-RR-528-80.2018.5.14.0004, julgado em 2/2/2023).
Isso porque os membros da subseção, em sua maioria, encaminharam seus votos pela não aplicação da Lei nº 13.467/2017 aos contratos anteriores à sua vigência em oposição ao que vem sendo entendido pelas 1ª, 4ª, 5ª, 7ª e 8ª Turmas do TST.
Aqueles que defendem a impossibilidade de aplicação da nova Lei aos contratos em curso, em síntese, sustentam que haveria direito adquirido e ato jurídico perfeito com relação às regras anteriores aos contratos vigentes quando da entrada da reforma trabalhista e que entendimento em sentido contrário violaria o princípio da condição mais benéfica ao empregado (artigo 7º, VI, CF/88, artigo 468 da CLT e Súmula 51 do TST).
Os que concluem em sentido oposto — pela aplicação da Lei nº 13.467/2017 aos contratos em andamento quando de sua entrada em vigor —, por sua vez, se fundam principalmente na caracterização do contrato de trabalho como um pacto de trato sucessivo, ou seja, cuja execução se prorroga no tempo e que envolve a prática ou abstenção de atos consecutivos.
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Nesse caso, não haveria que se falar em ato jurídico perfeito ou direito adquirido com relação a atos realizados sob a égide da nova legislação, havendo mera expectativa de direito.
Sem dúvida a segunda posição é a mais adequada à própria natureza do contrato de trabalho, já que apenas estão protegidos pelo ato jurídico perfeito aqueles atos praticados na relação de emprego na época em que estava em vigor a legislação anterior. O contrato de trabalho certamente não está imune a alterações de fato e de direito que ocorram de forma superveniente.
Observe-se que, até mesmo quando se trata de coisa julgada, admite-se que nas relações jurídicas de trato continuado possa haver modificação no estado de fato ou de direito apta a ensejar a revisão do que foi estatuído na sentença (artigo 505, I, CPC). Se assim o é quando há sentença judicial proferida, então com maior razão deve ser diante de celebração de contrato diante de uma lei nova.
Importante notar, ademais, que várias das questões objeto de debate (como o pagamento por horas de deslocamento — in itinere) na maior parte das vezes sequer são objeto de qualquer disposição contratual. Trata-se de matéria há muito subtraída do campo de disposição das partes, sendo imposta por norma de caráter cogente.
Nesse caso, é absolutamente indiferente se o contrato de trabalho foi celebrado antes ou após a novel legislação, visto que não se trata de matéria passível de disposição pelas partes contratantes. Nessa linha, não faz sentido a referência ao artigo 7º, VI, CF/88, artigo 468 da CLT e Súmula 51 do TST, que tratam justamente de matérias em que há a possibilidade de disposição pelas partes.
Ressalte-se que nos próprios dispositivos legais mencionados estão previstas situações em que pode haver alteração das regras por vontade do empregado ou por convenção ou acordo coletivo, não estando revestidas da característica de imutabilidade que se pretende imprimir, incompatível com as intensas transformações do mercado de trabalho ou até mesmo com as modernas formas de produzir.
Outro aspecto que merece ser ponderado é a ofensa ao princípio da isonomia aplicável às relações de trabalho. A existência de categorias de trabalhadores distintos dentro da mesma empresa, com direitos totalmente opostos ainda que expostos às mesmas situações, institui um critério de discriminação permanente e não justificável. No mais, a operacionalização das verbas e benefícios trabalhistas dos empregados seria de alta complexidade para qualquer área de recursos humanos.
Para além da violação ao princípio da isonomia, essa distinção também criará incentivos para que os trabalhadores admitidos antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017 sejam desligados, considerando inclusive a dificuldade gerencial para a empresa de lidar com diversas regras distintas segundo a data de admissão de cada um.
Dessa forma, a pretexto de se proteger os trabalhadores mais antigos, pode-se, ao contrário, criar situação desvantajosa para tais empregados que, dependendo da decisão do TST, sequer poderá ser objeto de ajuste por meio de acordo ou convenção coletiva — não obstante o permissivo constante do artigo 7º, inciso XXVI, parte final, da CF/88.
A questão é efetivamente relevante para empregados e empregadores, já que estão em jogo, todas as modificações havidas no contrato de trabalho permitidas pela Lei nº 13.467/2017. E isso realmente não é pouco, pois não foram poucas as alterações, como por exemplo: 1) tempo à disposição do empregador; 2) hora in itinere; 3) formas de extinção do contrato de trabalho; 4) divisão das férias; 5) regulamentação d o trabalho remoto; 6) regulamentação do trabalho intermitente; 7) jornada de trabalho negociada para além das oito horas; 8) a desnecessidade de homologação da rescisão; o do contrato de trabalho pelos sindicados; 9) as novas regras das gestantes e lactantes.
Não se tem dúvida: na hipótese de reconhecimento pelo Poder Judiciário de que as disposições da reforma trabalhistas não são aplicáveis desde 2017, haverá uma enxurrada de ações judiciais questionando todas as alterações que foram implantadas nos contratos de trabalho vigentes àquela época, com o poder de gerar um passivo trabalhista relevante para os empregadores.
Por isso, é de suma importância que se acompanhe de perto o julgamento da matéria pelo Tribunal Pleno do TST, já com o sopesamento dos efeitos para todos os envolvidos no contrato de trabalho, para que o debate, ao fim e ao cabo, não venha a se resumir ao argumento simplista da proteção, sem a consideração de todos seus impactos sobre os empregados e as empresas, e tendo sempre como norte o efetivo equilíbrio das relações de trabalho e a segurança jurídica.
Por Ana Paula De Raeffray
Ana Paula De Raeffray é advogada, doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vice-presidente do Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar (IPCOM), membro da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social e sócia do escritório Raeffray Brugioni Sociedade de Advogados.