No campo da ENGENHARIA CONDOMINAL, considerando aspectos profissionais da atuação de técnicos, arquitetos e engenheiros, o mercado imobiliário de Brasília possui características próprias, e muitas vezes desafiadoras, do ponto de vista da saúde e segurança das edificações. De um lado, prédios envelhecendo (vida útil avançada), com degradações em estruturas (destaque para fachadas), instalações e as respectivas dores de cabeça já bem conhecida por seus gestores; por outro lado, bairros novos com construções arrojadas e tecnologias de ponta, caracterizados por projetos assistidos por computador, mas que mesmo com pouco tempo de uso, já apresentam vícios que demandam atenção. O cenário é complexo e torna-se perigoso, especialmente no tocante às responsabilidades que recaem sobre o administrador legal do condomínio, quando se verifica que ainda são insipientes as práticas de diagnóstico e manutenção periódicas, e pior, muitas obras, reformas e procedimentos técnicos de forma geral são conduzidos por empresas e profissionais sem qualquer qualificação, habilitação ou responsabilidade técnica. O fato é que, poucos condomínios conhecem, pormenorizadamente, o estado atual da saúde dos sistemas construtivos e de instalações sob sua tutela. Novos gestores de prédios, ao tomarem posse após devidamente eleitos por suas assembleias de condôminos, assinam cheques em branco ao assumirem responsabilidade (normalmente, às cegas) sobre o estado atual e a condução técnica das áreas, sistemas e equipamentos de uso comum. Mas como se prevenir dessas precárias e arriscadas condições? O que fazer para resguardar-se sobre o que foi feito anteriormente, e ao mesmo tempo construir planejamento para elevar a qualidade da saúde do prédio? Por onde começar? Em uma realidade que ainda confunde atividades de prevenção com custos, e não investimento, o gestor condominial atento, preparado e disposto a trabalhar de forma adequada, objetiva e transparente, precisa lançar mão de ferramentas modernas de gestão, que lhes proverá subsídios concretos para planejamento de ações e tomadas de decisão. Esse ferramental1, quando observadas as boas práticas da engenharia diagnóstica aplicadas à engenharia condominial, possui iniciativas que se mostram armas essenciais para as verdadeiras batalhas e dilemas enfrentados pelos administradores em seu dia-a-dia; quais sejam: I) adotar a prática de contratar a elaboração de laudos técnicos de inspeção predial (LTIP) – norteados pela norma ABNT NBR 16747:2020, periodicamente, com foco em todos os sistemas do prédio e abordagem multidisciplinar; II) implantar a cultura da manutenção preventiva periódica, por meio da construção e adoção de planos de manutenção preventiva (PMP) – baseados na ABNT NBR 5674:2012; III) compor (ou recompor) o acervo técnico documental do prédio, que tem respaldo, também, nas últimas duas normas citadas (e outras) e permitirá condução mais eficaz das atividades técnicooperacionais do prédio; IV) divulgar e implementar política para apresentação e análise dos escopos de reformas em unidades privativas (ou quaisquer intervenções de médio a grande porte) – o que tem passo-a-passo padronizado pela 1 As normas citadas no presente documento indicam as datas de suas versões originais. Logo, para fins de conformidade e aplicação destes normativos, deverão ser adotadas as versões atualizadas. ABNT NBR 16280:2015; e V) viabilizar a contratação de assessoria especializada em engenharia condominial, que possui o papel de acompanhar e zelar pela saúde e conformidade técnica do edifício como um todo, mas também garantir que as ações executadas pelo Condomínio, logo sob a responsabilidade do gestor, estejam dentro de parâmetros claros de compliance normativo, qualidade, capacitação e responsabilização executiva. I) Laudos técnicos de inspeção predial (LTIP) Os laudos técnicos de inspeção predial (LTIP) vem tendo seus conteúdos e procedimentos refinados nos últimos 20 (vinte) anos por profissionais das searas técnica, de arquitetura e de engenharia, em suas mais diversas especialidades. Muito foi desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (IBAPE), cujo trabalho culminou com a publicação da norma (vide referência acima) em maio de 2020, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Observe-se que, em diversos estados brasileiros, a inspeção obrigatória periódica já é lei, prevê alinhamento ao exigido no referencial normativo e até mesmo impõe outras obrigações. De forma geral, adota-se – com necessários ajustes para cada caso, contratar equipes especializadas e multidisciplinares para elaboração de tais diagnósticos quando (i) da entrega de empreendimentos, (ii) a cada 5 (cinco) anos para edificações de até 20 (vinte) anos, e (iii) em intervalos mais curtos conforme os prédios vão envelhecendo. O valor agregado, em um trabalho dessa espécie, concentrase na inspeção de todos os sistemas presentes e em operação no condomínio, sob a ótica da arquitetura, engenharia civil, elétrica, mecânica, segurança do trabalho e outras disciplinas que se mostrem necessárias para adequado entendimento da real situação (saúde) dos prédios examinados. De cunho qualitativo, os LTIPs fornecem caminho objetivo a ser trilhado, pelos condomínios, no planejamento para recuperação ou revitalização dos espaços, instalações e equipamentos de uso comum. Em adendo, e não menos importante por resguardar a atuação dos gestores prediais, marcam temporalmente as condições com que uma determinada (nova) gestão recebeu a edificação, seus sistemas e eventuais incumbências, da administração antecessora. II) Planos de manutenção preventiva (PMP) A cultura geral da manutenção é reativa ou emergencial, pouco (ou quase nunca) preventiva, onerosa e movida a base de pânico e taxas extras. Mas tal contexto vem sendo objeto de reflexões e ações concretas de mudança, desde a publicação, pela ABNT, da norma de gestão de manutenção, em 2012 (ABNT NBR 5674), que trouxe em seu bojo a figura do plano de manutenção preventiva (PMP). Excepcionalmente, o texto normativo apresentou outra grande inovação, que foi a da aplicação obrigatória da norma para edifícios já existentes; ou seja, desde 2012, TODA e qualquer construção deve adequar-se aos requisitos no citado normativo. Os anexos do documento apontam inúmeros exemplos que podem ser adotados, de imediato, pelos mais diversos condomínios (residenciais, comerciais, híbridos, horizontais, verticais, etc), mas deixa bem claro que os planos (ou programas, como preferirem) devem ser personalizados para cada entidade edilícia. E que não se confundam a figura dos manuais de uso, operação e manutenção, cujo conteúdo é delineado em outra padrão (NBR 14047:2014), e deve ser utilizado como insumo para a elaboração do PMP. Outro ponto importante! Não se deve esperar que, após elaboração do PMP, todas as atividades ali elencadas serão implementadas de imediato. Isso se mostra impossível por razões de unho prático e financeiro. Porém, só de se ter um norte e iniciar a mudar a cultura do condomínio no sentido de privilegiar ações preventivas frente às reativas, já se configura em grande e relevante avanço. Para não deixar suspenso no ar, “manuais se uso, operação e manutenção”, que tem seu conteúdo definido pela ABNT NBR 14047:2014, são item obrigatório na entrega de empreendimentos, obras e reformas, de qualquer escopo, complexidade ou natureza. Normalmente, além das especificações técnicas dos produtos aplicados na obra, e das instruções de operação de sistemas e equipamentos, são encontrados aqui as garantias parciais e totais (de cada sistema e da edificação com um todo), bem como as condições mínimas para preservação de tais garantias da construtora. III) Acervo técnico documental Os condomínios devem se preocupar em manter, de forma geral, três grandes acervos documentais referentes a questões de natureza técnica: 1) ACERVO DA ORIGEM DO EMPREENDIMENTO – são os documentos que trazem as informações administrativas, legais e técnicas referentes ao “nascimento” da edificação. Nesse conjunto estão inclusos, por exemplo, a carta de “HABITE-SE”, memorial de incorporação, manual das áreas comuns, projetos executivos e legais (aqueles exigidos, analisados, aprovados e vistoriados após execução e antes da entrega do empreendimento pelos órgãos oficiais e concessionárias de serviços, com respectivas aprovações e comprovações de responsabilidade técnica), laudos de operação inicial de sistemas sensíveis (SPDA, automação, etc), manuais de equipamentos, dentre outros. 2) ACERVO DA VIDA ÚTIL DO EMPREENDIMENTO – devem ser reunidos aqui todos os registros (contratos, projetos, notas fiscais, termos de garantia, etc) referentes a intervenções de manutenção, reformas, obras e eventos (com natureza e/ou implicações) ocorridas ao longo do uso do imóvel. Pode-se considerar, tomando a liberdade da analogia com a área de saúde, que este arcabouço documental equivale ao “prontuário” do paciente, nesse caso, o próprio prédio. 3) ACERVO DAS INTERVENÇÕES EM UNIDADES PRIVATIVAS – deve ser composto por toda a documentação submetida pelas unidades privativas, antes de se iniciar qualquer atividade executiva, para análise prévia por profissional habilitado e autorização expressa do gestor do prédio. Em complemento, devem ser juntados registros do acompanhamento das execuções, inclusive intercorrências, e a formalização do final da reforma. IV) GESTÃO DE REFORMAS DE UNIDADES PROVATIVAS SEGUNDO ABNT NBR 16280 Todas as normas citadas no presente documento são de extrema relevância na preservação da saúde das edificações. Todavia, talvez a ABNT NBR 16280, desde sua publicação em 2014, reedição em 2015, e pequenos ajustes em 2020, seja o instrumento que, ao mesmo tempo, cria mais polêmica em condomínios, mas que se implementado adequadamente implica na adoção de procedimentos que se traduzem em segurança e qualidade tanto paras as unidades privativas, em particular, quanto, de forma ampla, para a massa condominial. O passo-a-passo descrito na norma é bastante objetivo e de fácil compreensão e adoção, e pode ser apresentado, de forma geral, da seguinte forma: (i) elaboração do PLANO DE REFORMA, que é documento de natureza administrativa e técnica contendo série de requisitos que servem como planejamento e registro da intervenção desejada; (ii) elaboração e juntada ao PLANO DE REFORMA dos projetos executivos com detalhamentos suficientes que permitam avaliação do escopo, e determinação de potenciais riscos para as áreas/sistemas de uso comum (observação: cabe ao condomínio disponibilizar documentação técnica referente às áreas comuns); (iii) apresentação e juntada ao PLANO DE REFORMA das respectivas comprovações de responsabilidade técnica pelos projetos e pela execução dos trabalhos a serem realizados; (iv) envio da documentação para análise do condomínio, que por sua vez encaminhará para sua equipe técnica (devidamente qualificada e habilitada); (v) formalização da análise e conclusões técnicas, com recomendações de autorização (ou não) para início da reforma; (vi) iniciada a intervenção, o condomínio, por meio de sua equipe técnica, deverá acompanhar a evolução dos trabalhos não na qualidade de executor ou fiscal, mas no intuito de confirmar que o escopo proposto está sendo seguido, bem como resguardar as áreas / sistemas / equipamentos de uso comum; (vii) ao fim da execução, a unidade deverá formalizar o encerramento junto ao condomínio. IMPORTANTE! Em toda intervenção/reforma deve ser elaborado e submetido o PLANO DE REFORMA (SEMPRE!), mas muito se questiona sobre a necessidade ou não de responsáveis técnicos pelos projetos e execuções. A resposta depende do escopo a ser executado, mas uma regra de ouro a ser seguida é a seguinte: se na reforma houve previsão de demolição, construção, alteração nas instalações ou serviços que demandem conhecimentos específicos (exemplo: trabalhos em altura), se faz necessário detalhar a execução em projeto e comprovar os respectivos responsáveis técnicos por esses e pela execução propriamente dita. IV) Assessoria especializada em engenharia condominial O mercado condominial debate com fervor o tema das assessorias especializadas. Diz-se que um bom gestor, nos dias de hoje, é aquele que tem por trás fortes e eficazes apoios nas searas administrativa, contábil, jurídica e de engenharia. Diferentemente do consolidado segmento de “contabilidade” condominial, por exemplo, o surgimento e atuação de empresas na função de braço de engenharia de gestores prediais ainda está em seu nascedouro, logo eventuais contratações devem sopesar o pacote de serviços, a composição da equipe, experiência, e outros fatores. Ainda assim, condomínios que já adotam essa modalidade de apoio os tem como de natureza essencial, tanto na condução e necessária busca por conformidade técnica, que leva a segurança, confiabilidade e disponibilidade dos sistemas prediais; quanto no enfoque do gestor, no resguardo de suas responsabilidades sobre questões, na grande maioria das vezes, complexas, desafiadoras e com potencial de responsabilização. No quesito composição de equipe, o ideal é que possua perfil multidisciplinar, com profissionais especializados (e proficientes) em engenharia diagnóstica em diferentes habilitações: engenharia civil, arquitetura, engenharia mecânica, engenharia elétrica, segurança do trabalho, agronomia e outro. Quanto mais diversificada, melhor a resposta para os condomínios contratantes. Quanto ao pacote de serviços, o mínimo que se espera é que a assessoria englobe (i) elaboração de diagnósticos, com destaque para laudos de inspeção predial (LTIP) e visitas regulares para acompanhamento ativo das condições de saúde da edificação; (ii) construção de planos de manutenção preventiva (PMP); (iii) suporte a contratações (quantificação e especificação de objetos; elaboração de termos de referência; pesquisas de mercado; etc); (iv) atuação na fiscalização de obras e serviços, com emissão de relatórios periódicos e termos de recebimento; e (v) gestão de reformas de unidades privativas sob a ótica da ABNT NBR 16280. Uma dica importante!!! Empresas especializadas em diagnósticos ou assessorias de engenharia NÃO DEVEM, em hipótese alguma, oferecer a seus clientes a execução de serviços. Isto porque, quem diagnostica, pode até fiscalizar, mas não executar, por questões éticas, de transparência e, principalmente, para preservar a atuação do gestor condominial. — Engenheiro especialista Fernando A Santoro Autran Jr possui 25 (vinte e cinco) anos de experiência no segmento de engenharia diagnóstica e perícias judiciais. É responsável técnico da empresa FRX PERÍCIAS & CONSULTORIA, membro do IBAPE, CENB, ASBRACO, ABRAEST, coordenador de cursos de pós-graduação em engenharia de energia e, responde pela Diretoria de Relações Institucionais do Sindicato Nacional dos Peritos de Justiça – SINPEJUS NACIONAL.
Por FERNANDO A SANTORO AUTRAN JR, eng, esp, dr.h.c.