Qual legislação aplicável ao Airbnb?

As inovações tecnológicas têm gerado mudanças significativas em todas as áreas da vida humana e, consequentemente, o Direito tem enfrentado o desafio de evoluir e se adaptar cada vez mais rápido a essas novas dinâmicas que surgem quase que diariamente na sociedade.

Uma dessas inovações, que gerou grande impacto econômico no país, foi o surgimento de aplicativos e sites que possibilitaram a locação de imóveis por meio de contato direto entre o proprietário e o locador. O grande exemplo de aplicativo com este fim é o Airbnb. Mesmo após mais de anos de sua chegada e popularização no Brasil, ainda restam dúvidas acerca de qual legislação deve ser aplicada aos contratos de locação feitos por aplicativos eletrônicos.

[

No campo da locação de imóveis existem duas regulamentações especiais: a Lei de Locações (Lei nº 8.245/1991) e a Lei de Hospedagem (Lei nº 11.771/2008). A primeira se aplica a locações que resguardam o direito de moradia do locatário (em se tratando de locações para fins residenciais) e de propriedade do locador, e também regulamenta a locação por temporada. A segunda se aplica a locações realizadas com caráter comercial, ou seja, além da locação, há disponibilização de serviços de forma profissional ao consumidor em clara relação mercantil.

A maioria das locações negociadas no aplicativo Airbnb é de curtos períodos. Entretanto, as disposições contidas no artigo 48 e seguintes da Lei de Locações, ao disciplinarem a locação por temporada, não se amoldam perfeitamente a este modelo de negócio, ao passo que: 1) há a proibição expressa para contratos com prazo de mais de 90 dias, sob pena de tornar-se contrato de locação por tempo indeterminado (artigo 50); e 2) prevê a necessidade de se descrever todos os móveis localizados no imóvel a ser locado (artigo 48, parágrafo único).

O primeiro ponto, que causa grande polêmica, e é prática comum em qualquer aplicativo de locação de imóveis, é a possibilidade de se ultrapassar os 90 dias do prazo de locação, ocorrendo a prorrogação do contrato, já que uma parte fundamental para o sucesso deste modelo de contratação é a liberdade gerada pela negociação direta entre locador e locatário.

Com relação à descrição dos móveis localizados no imóvel, apesar de ser um requisito meramente formal, é suficiente para descaracterizar a incidência da locação por temporada, dado que a contratação por aplicativo não apresenta a descrição de todos os móveis que constam no local.

Em que pese no próprio site do Airbnb mencionar a aplicação do artigo 48 da Lei do Inquilinato, os requisitos para essa modalidade de locação não são estritamente observados pelos usuários e pela plataforma, podendo o contrato por temporada ser facilmente contestado em uma demanda judicial.

Outro ponto que chama a atenção é que, com a popularização das plataformas online de aluguel de imóveis, muitos condomínios têm proibido as locações de curta duração, alegando ameaça à segurança, ao sossego e à saúde dos moradores, em razão da alta rotatividade de pessoas no condomínio.

No julgamento do Recurso Especial nº 1.819.075/RS, a 4ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) entendeu que os contratos de locação de curta duração mediados por sites eletrônicos são contratos atípicos de hospedagem, ou seja, não se amoldam a nenhuma das hipóteses previstas em lei.

Apesar da divergência entre os votos dos ministros, restou decidido, na oportunidade, que os próprios condôminos podem deliberar que o uso dos imóveis seja estritamente residencial, proibindo, por meio de Convenção do Condomínio, a locação atípica através de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta (STJ, REsp. 1.819.075/RS, Quarta Turma, ministro relator Luis Felipe Salomão, Julgado em 25.07.2021).

De modo similar julgou a 3ª Turma do STJ no Recurso Especial nº 1.884.483/PR, entendendo pela possibilidade de proibição de locação dos imóveis localizados em edifício através da assembleia condominial. Entretanto, restou consignado no acórdão que o contrato de hospedagem é atípico, sendo possível a aplicação da Lei de Locações a partir da análise do contexto fático-probatório posto ao julgador (STJ, REsp. nº 1.884.483/PR, 3ª Turma, ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva, Julgado em 2/2/2022).

Ocorre que nenhum dos julgados mencionados acima se debruçou sobre a questão sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor aplicado à Lei da Hospedagem, nos termos do artigo 34, IV, da Lei nº 11.771/2008. Para enquadramento nessa legislação, há necessidade de prestação de serviço de cunho profissional, com cadastros especiais e licenças junto ao Poder Público, que não são exigidas dos locais disponibilizados nos aplicativos eletrônicos.

Veja-se que os aplicativos digitais de locação de imóveis podem perfeitamente ser enquadrados na figura do prestador de serviço, previsto no artigo 3º, caput, do CDC, o que faz incidir, compulsoriamente, a proteção dos direitos do consumidor, com a consequente transparência das informações fornecidas ao cliente, a qualidade do serviço e a responsabilidade pela solução de problemas ou conflitos que possam surgir durante a prestação do serviço.

Em suma, é evidente que nenhuma das legislações existentes (Lei de Locações, Lei da Hospedagem e o Código de Defesa do Consumidor) versam especificamente sobre a locação de imóveis em curtos períodos através de dispositivos eletrônicos, e que somente uma regulamentação específica em âmbito nacional poderá resolver os litígios com vistas a atender os anseios de locadores, locatários, condôminos, dos próprios aplicativos e da sociedade em geral, que forem levados ao Poder Judiciário.

Fonte: Consultor Jurídico

Leave A Reply