Sem dúvida um dos maiores problemas que os condomínios enfrentam é a inadimplência das taxas condominiais. Por se tratar de um rateio de despesas, a falta de pagamento acarreta transtornos e indignações, levando a atitudes extremas como, notadamente, o impedimento do uso de áreas comuns por quem não cumpre as obrigações financeiras. Trata-se de uma medida para forçar o pagamento. Contudo, seria legal essa atitude?
Apesar de muitas Convenções de Condomínio e Regimentos Internos estabelecerem a proibição da fruição das áreas comuns do condomínio por inadimplentes, tal medida fere os princípios da dignidade humana, pois expõe o devedor a uma situação vexatória, constrangendo-o perante aos demais condôminos.
O Código Civil prevê punições claras e taxativas para o inadimplemento das despesas condominiais. As penalidades são pecuniárias, como o pagamento de juros e mora, previstos no parágrafo 1º do artigo 1.336 do CC/2002, e ainda a aplicação de multa cinco vezes maior que a taxa de condomínio, mediante aprovação de 3/4 dos condôminos, para aqueles que reiteradamente deixam de cumprir seus deveres, conforme exposto no artigo 1.337 do CC/2002.
A legislação brasileira autoriza meios coercitivos e idôneos à satisfação do crédito, porém não há na legislação brasileira revisão e nenhuma previsão quanto à restrição do direito de uso da propriedade. O Código Civil é claro quanto às restrições ou condicionamentos de direitos, devendo ser as interpretações feitas de forma restritiva ao que está devidamente expresso, e não ampliar sua aplicabilidade. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recente julgamento (Resp. nº 1699022), decidindo por unanimidade em permitir o uso de áreas comuns por condôminos inadimplentes.
Essa decisão não é inédita no STJ. Em 2016 a Terceira Turma também julgou (Resp. 1.564.030) que moradores e seus familiares, mesmo inadimplentes, teriam direito a frequentar o clube do condomínio. Se já existem penalidades expressas no Código Civil para o não pagamento da taxa condominial, o Regimento Interno não poderá transpor a legislação, ampliando punições não previstas.
A advogada especialista em Direito Condominial Dra. Luciana Borges, afirma que ao se adquirir um imóvel situado em condomínios, além da fração ideal particular, o proprietário também adquire a fração ideal da área comum, dado sua natureza indissolúvel. Sendo assim, não se pode impedir um coproprietário de usufruir de um bem pelo qual pagou. O direito de propriedade é uma garantia constitucional (Inciso XXII do artigo 5º da Constituição Federal) e não poderá ser restringida por Convenções e Regimentos Internos.
Outro ponto que devemos esclarecer é quanto à relação locatícia. Na verdade, existem duas situações jurídicas distintas: direito de propriedade (ônus e bônus) e cessão do usufruto. O locador e proprietário do imóvel é o responsável pela taxa do condomínio, já que esta é inerente ao bem e se vincula a ele. Por isso, as cobranças devem ser direcionadas ao dono do imóvel. Todavia, quando há um contrato de aluguel, conforme Lei do Inquilinato (Inciso XII do artigo 23, Lei 8.245/91), o inquilino passa a ser responsável pelo pagamento das taxas ordinárias do condomínio. No entanto, essa é uma relação contratual entre locador e locatário, e não se confunde com a relação de propriedade do bem e taxas vinculadas de natureza “propter rem” (inerente à coisa), como é o caso do imóvel e sua taxa de condomínio.
Em outras palavras, o dono do imóvel é o titular da taxa condominial, e as cobranças devem ser dirigidas a ele. Mesmo o inquilino sendo responsável pela taxa ordinária durante o contrato de aluguel, o condomínio deve cobrar do proprietário, e este poderá depois cobrar do inquilino.
Independente de ser inquilino ou proprietário, o morador não poderá ser impedido de frequentar áreas comuns do condomínio por falta de pagamento da taxa condominial. Como dito, as punições aplicáveis nessa situação são de caráter pecuniário.
No entanto, para áreas em que requer o pagamento de um valor para utilização, por exemplo, salão de festa, churrasqueira, há alternativas para que não onere ainda mais o condomínio. Se existe uma taxa de uso, certamente gera despesas extras, como o consumo de luz, gás, serviço de limpeza. Para que o condomínio não seja prejudicado e também não crie constrangimentos, uma solução seria o pagamento antecipado dessa taxa pelos condôminos inadimplentes, e os demais poderiam pagar junto com o valor do condomínio do mês subsequente ao uso. Ou ainda, convencionar que o pagamento seja antecipado para todos, sendo uma decisão mais igualitária.
Apesar de ser um tema polêmico, o condomínio não tem o direito de expor o inadimplente. Restrição de uso de área comum, lista de devedores fixadas em elevadores, impedimento de uso dos elevadores, não são permitidos! Inclusive, pode sair caro para o condomínio que insiste nesse tipo de comportamento. No julgamento de um Recurso Especial (REsp 1401815), por exemplo, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou o condomínio ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por danos morais ao inadimplente que foi impedido de utilizar o elevador que dava acesso ao seu imóvel.
Por isso, é sugerido que todas as Convenções e Regimentos Internos com mais de cinco anos de confecção sejam atualizados! Principalmente os que preveem punições ilegais como as tratadas aqui. Expor um morador a uma situação humilhante por inadimplência poderá gerar prejuízos para o condomínio, como o pagamento de indenização por dano moral.
Busque por advogados especializados! Não existem modelos prontos de Convenções e Regimentos Internos. Esses documentos requerem um estudo profundo para cada realidade e um jurídico especializado dará todo o respaldo para alterações adequadas. Encontrar soluções justas e legais para o perfeito andamento do condomínio é sempre a melhor saída.
Dra. Luciana Borges
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