Violência doméstica em condomínios e os limites de atuação do Síndico.
O reconhecimento de um quadro de violência doméstica é um desafio ao síndico, pois uma intervenção preventiva e concreta, capaz de contribuir para a ruptura de um ciclo de agressões, pode salvar vidas.
O Brasil enfrenta uma mudança comportamental de repressão da ideia de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. O jargão amplamente conhecido começa a ser descontruído para compreendermos que questões ligadas à violência contra a mulher, menor, idoso, pessoa com deficiência ou qualquer outro hipossuficiente que conviva em um ambiente familiar nocivo precisa de intervenção da coletividade.
O barulho de gritos, de pedidos de socorro e de objetos quebrados passam a ter uma relevância para o condomínio maior que uma mera perturbação do sossego. Essa longa e dificultosa transformação cultural exige um comportamento mais efetivo e concreto do síndico para a interrupção da submissão violenta que determinados moradores suportam em suas unidades privativas.
Ao mesmo tempo, o síndico enfrenta profunda dramaticidade, pois a sua atuação não pode transcender o interesse coletivo, sendo indevida sua interferência na esfera privada daquele núcleo familiar. O síndico ou qualquer colaborador não deve entrar na unidade submissa ao conflito sob risco de se configurar um abuso. De um lado o dever ético de intervenção e de outro a restrição de atuação em razão do respeito à propriedade privada.
O síndico, tem a obrigação de cuidado, proteção e vigilância, e uma vez ciente da ocorrência de violência doméstica, tem o dever de noticiar as evidências às autoridades competentes, sob pena de incorrer em crime de omissão.
Obviamente, deve-se sempre tomar cuidado para que nunca se ultrapasse uma linha de segurança, afinal o papel que lhe incumbe é social e não inquisitivo. Cientificar as autoridades competentes é sempre a melhor medida a ser tomada, acautelando-se de que seu envolvimento nunca se sobreponha ao dever de harmonia e salubridade condominial.
É de suma importância a preservação da privacidade dos envolvidos para não agravar o convívio e integridade moral daquela unidade familiar. Imprescindível, portanto, o bom senso administrativo na abordagem e solução do conflito seja perante a unidade interpelada, seja perante os vizinhos.
Porém existem algumas medidas preventivas que podem ser tomadas quando evidenciado ou antes mesmo que aconteça um caso de violência doméstica. A mais importante delas é a instrução da sua equipe. Os porteiros, zeladores e demais colaboradores são os primeiros a saberem das mudanças de rotina dos moradores. Portanto é essencial que estejam treinados para identificarem sinais de abuso e violência contra mulheres, idosos, crianças e pessoas com deficiência. Após algumas evidências já é possível a tomada de decisões como a comunicação do conselho tutelar, por exemplo.
Segundo a especialista em Direito Condominial, Larissa Alves, o treinamento da equipe pode envolver medidas de interpelação de uma agressão, principalmente quando a mesma é evidenciada pelo barulho. Assim, é possível a repressão através da advertência verbal de que há perturbação do sossego e que a polícia pode ser acionada pela administração ou por qualquer um dos vizinhos. A interferência é de suma importância para inibir momentaneamente a explosão de violência.
Outra maneira eficiente envolve a manutenção de cadastro atualizado dos moradores com contatos de emergência para que, ciente que aquela unidade enfrenta casos reiterados de agressão, pessoa comum à família seja avisada de nova ocorrência, podendo esta intervir na situação sem o envolvimento da pessoa do síndico.
Ademais, o papel de liderança exercido pelo síndico permite a promoção de campanhas, palestras e rede de apoio aos agredidos, para que seja ele um meio de comunicação e acolhimento para as pessoas em situação de risco.
Nos casos em que a violência se demonstra em áreas comuns, o síndico possui a responsabilidade disciplinar de imputar a sanção administrativa adequada, fazendo-se valer, como meio de prova o uso de imagens das câmeras de segurança, testemunhas, e registros no livro de ocorrências.
Importante mencionar que as imagens captadas pelo sistema de câmeras de segurança só devem ser disponibilizadas à autoridade policial ou judiciária, sob pena de incorrer em responsabilidade civil pela veiculação indevida da imagem.
O síndico também pode propor à Assembleia a imputação de penas mais severas ao agressor, mediante a alteração, se for o caso, do Regimento Interno. E caso as advertências e multas ordinárias não sejam suficientes para a adequação social desse indivíduo, pode-se o caracterizar como “condômino antissocial”.
Para concluir, adverte-se que a sensação de segurança e bem-estar no condomínio não depende só do síndico. A excelência da administração do síndico depende do desenvolvimento social de sua comunidade. O dever social que lhe cabe em casos de violência doméstica é também uma ferramenta para sua atuação, para tanto o gestor necessitará do comprometimento e apoio dos moradores e funcionários. E isto deve ficar claro para todos os condôminos.
Dra. Larissa Alves
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